Greve da Receita Federal: seis meses de greve, bilhões em jogo e nenhuma solução
A greve dos servidores da Receita Federal, que completou seis meses em 26 de maio de 2025, tem provocado efeitos expressivos em portos, aeroportos, fronteiras e na arrecadação federal. Iniciada em 26 de novembro de 2024, essa é a paralisação mais longa já registrada pela categoria, com repercussões diretas sobre o comércio exterior brasileiro, a movimentação de cargas e o funcionamento de órgãos estratégicos da administração tributária.
Impacto direto nos portos e aeroportos do Brasil
Com a adoção da operação-padrão pelos analistas-tributários, houve aumento significativo no tempo de liberação de cargas, bagagens e veículos na última semana. O Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio de Janeiro, é um dos exemplos emblemáticos: passageiros e empresas enfrentaram filas e atrasos por conta do reforço nas fiscalizações.
Nas regiões de fronteira, os efeitos também são severos. Em São Borja (RS), na divisa com a Argentina, mais de 200 caminhões ficaram retidos nos últimos dias, aguardando liberação pela Receita Federal — uma consequência direta da mobilização dos servidores.
Desde o início do ano, quem precisa liberar mercadorias importadas pelos aeroportos de Guarulhos e Viracopos, em São Paulo, vem enfrentando atrasos inéditos. Além das longas demoras provocadas pela paralisação de parte do efetivo, na semana passada a Alfândega do Aeroporto Internacional de Guarulhos chegou a suspender completamente o atendimento por dois dias.
Prejuízos bilionários e impacto na arrecadação federal
A paralisação dos auditores-fiscais comprometeu a eficiência do sistema arrecadatório brasileiro. Segundo estimativas, as perdas chegaram a R$ 14,6 bilhões até março de 2025, afetando a previsão de receitas do governo e contribuindo para a necessidade de contingenciamento no Orçamento de 2025, conforme reconhecido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Além disso, a greve paralisou as atividades do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão que julga litígios entre contribuintes e a Receita. Desde janeiro, nenhuma sessão foi realizada, o que suspendeu a análise de processos que envolvem bilhões de reais em tributos contestados.
Comércio exterior e setor privado sofrem os efeitos
Empresas que dependem da importação e exportação de insumos relatam aumento nos custos operacionais, riscos de desabastecimento, atrasos na produção e perda de competitividade internacional. O Brasil, neste cenário, enfrenta um gargalo logístico e tributário que compromete sua participação nos fluxos globais de comércio.
Reivindicações e impasse com o governo
A paralisação dos Auditores-Fiscais da Receita Federal, que completa seis meses, tem como pano de fundo uma pauta de reivindicações centrada principalmente em dois eixos: a recomposição salarial e a regulamentação do bônus de eficiência. A categoria afirma que esses pontos são fundamentais para garantir o reconhecimento profissional e a valorização de uma carreira estratégica para o funcionamento do Estado brasileiro.
1. Recomposição do vencimento básico
Os servidores reivindicam a atualização do vencimento básico, que está congelado desde 2016. Segundo o Sindifisco Nacional, a defasagem salarial, acumulada ao longo dos anos, representa uma perda significativa no poder de compra da categoria. A ausência de reajustes em um cenário de inflação contínua é interpretada pelos auditores como um desrespeito à importância da função que exercem.
Os Auditores-Fiscais argumentam que, enquanto outras carreiras de Estado conseguiram negociar reajustes recentes – como a Advocacia-Geral da União, que obteve um aumento escalonado de 19% –, a Receita Federal permanece sem perspectiva concreta de correção salarial. Esse tratamento desigual é um dos principais fatores que alimentam a insatisfação da categoria.
2. Regulamentação do bônus de eficiência
Outro ponto central da pauta é a regulamentação do bônus de eficiência e produtividade. O bônus foi instituído por medida provisória em 2016, mas, até hoje, carece de regulamentação definitiva. Além disso, mudanças recentes promovidas pelo Comitê Gestor do Programa de Produtividade (CGPP), por meio das Resoluções nº 7 e 8, alteraram as regras de cálculo do bônus, o que foi entendido como um ataque direto ao movimento grevista.
Para os auditores, o bônus não é apenas um adicional financeiro: trata-se de um instrumento de gestão que reconhece o desempenho da categoria e motiva o engajamento em resultados estratégicos. A falta de regulamentação, aliada a mudanças unilaterais, fragiliza esse mecanismo e sinaliza insegurança institucional para os servidores.
3. Valorização da carreira e respeito institucional
Além dos pontos técnicos, os auditores exigem maior valorização institucional da carreira. Alegam que há um esvaziamento progressivo de suas atribuições e uma perda de protagonismo da Receita Federal, em parte atribuída à falta de diálogo com o Ministério da Gestão e Inovação (MGI).
A insatisfação é intensificada pela ausência de uma proposta técnica e financeira compatível com a complexidade e responsabilidade do cargo. Os servidores demandam uma estrutura remuneratória que reflita as particularidades da função – incluindo a composição variável da remuneração, hoje ignorada nas propostas apresentadas pelo governo.
4. Tratamento isonômico entre carreiras de Estado
Outro ponto frequentemente mencionado pelo Sindifisco é a quebra de isonomia entre carreiras típicas de Estado. A categoria questiona o fato de outras carreiras terem recebido atenção e reajustes mais ágeis do governo, enquanto os Auditores-Fiscais seguem em greve sem perspectiva concreta de atendimento de suas demandas. Essa disparidade é vista como um sinal de desvalorização da Receita Federal dentro da estrutura do serviço público.
Essas reivindicações não se restringem a ganhos individuais: para a categoria, elas representam também uma defesa da qualidade da administração tributária no país. Os Auditores-Fiscais sustentam que o fortalecimento da carreira é essencial para o combate à sonegação, a garantia da arrecadação e a efetividade das políticas públicas.
Enquanto o impasse se arrasta, os efeitos da greve se acumulam sobre a economia e as contas públicas, pressionando o governo a apresentar uma resposta concreta. O próximo capítulo da mobilização depende, em grande medida, da disposição política de ouvir e atender uma categoria que se considera estratégica para o Estado brasileiro.
Fotos: Sindifisco
Fontes: Estação News | R7 | ND+ | Gazeta Digital | Sindifisco