Ministra das Relações Exteriores da Noruega diz ao Valor que o aumento do protecionismo global acelera negociações com o bloco sul-americano, enquanto o Brasil mira anúncio em julho.
Enquanto o governo do presidente Lula busca acelerar a ratificação do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, outro tratado de livre comércio pode avançar nas próximas semanas. Trata-se das negociações entre o bloco sul-americano e a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), composta por Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein, iniciadas em janeiro de 2017.
Com governo Lula acelerando acordo com a UE, tratado entre Mercosul e EFTA pode avançar até julho
Enquanto o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva trabalha para acelerar a ratificação do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, outro tratado de livre comércio pode avançar nas próximas semanas: o acordo entre o Mercosul e a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), composta por Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein, cujas negociações começaram em janeiro de 2017.
Em entrevista ao Valor em Oslo, o ministro das Relações Exteriores da Noruega, Espen Barth Eide, afirmou que as negociações devem ser concluídas até o verão europeu. Segundo ele, a Noruega apoia fortemente o acordo com os países sul-americanos.
“Somos entusiastas desse acordo, realmente esperamos consegui-lo. Estamos trabalhando muito para finalizá-lo neste verão, junto com nossos parceiros da EFTA”, disse Eide.
O diplomata norueguês e cientista político falou com o Valor na última sexta-feira (6), antes de apresentar a nova estratégia climática da Noruega para o período de 2025 a 2030. De acordo com ele, as ameaças comerciais do ex-presidente dos EUA Donald Trump têm impulsionado acordos bilaterais como os entre Mercosul, EFTA e União Europeia. Segundo Eide, as medidas de Trump desafiam a igualdade de condições estabelecida pela Organização Mundial do Comércio (OMC).
“Sempre quisemos esse acordo, mas agora queremos ainda mais por causa da ameaça de guerras comerciais e do que Trump está fazendo com o comércio global. Isso desafia as regras estabelecidas pela OMC. Por isso, precisamos de mais acordos bilaterais ou inter-regionais”, afirmou.
No Brasil, diplomatas envolvidos nas negociações esperam que o acordo Mercosul–EFTA esteja pronto para ser anunciado na próxima cúpula do Mercosul, marcada para os dias 2 e 3 de julho, em Buenos Aires.
Mesmo que as negociações terminem no próximo mês, o processo para que o acordo entre em vigor ainda será longo: o texto precisa passar por revisão legal, aprovação parlamentar em todos os países-membros e ratificação pelos respectivos chefes de Estado. Esse é o estágio atual do acordo Mercosul–UE, cujas negociações foram encerradas em dezembro de 2024.
Suíça e Noruega são as principais economias da EFTA. O bloco tem um PIB combinado de US$ 1,4 trilhão e população de 14,3 milhões. A EFTA já assinou 29 acordos comerciais com países ao redor do mundo e iniciou as tratativas com o Mercosul em 2017. Em 2019, os dois blocos chegaram a um acordo preliminar não vinculante, mas as conversas estagnaram. As negociações foram retomadas em abril de 2024, em um processo semelhante ao que ocorreu com a UE.
Segundo fontes do Itamaraty, o acordo ganhou importância estratégica após a pandemia, além de refletir as novas restrições comerciais globais e a guerra tarifária iniciada por Trump. “É um cenário em que o Mercosul se torna um mercado mais atrativo para parcerias”, disse um diplomata brasileiro sob condição de anonimato.
Desde então, os países discutem compromissos climáticos—sobretudo exigências ambientais europeias—bem como regras sobre compras governamentais e outros temas. Segundo o Valor apurou, esses pontos já estão em grande parte resolvidos.
Dois temas seguem em negociação. O mais complexo envolve as chamadas regras de origem—um conjunto de normas que determinam se um produto pode ser considerado originário de um país-membro. “Acredito que são questões solucionáveis. E o momento político é favorável porque os benefícios são muitos”, afirmou Eide.
Fontes diplomáticas em Brasília disseram que o Mercosul apresentou uma nova proposta sobre o tema, que está sendo analisada pela EFTA e deverá receber resposta em breve.
A questão é especialmente sensível para a EFTA, dada a proximidade geográfica e os fluxos produtivos entre países vizinhos. Produtos fabricados na Suíça ou na Noruega podem passar por etapas de produção em países vizinhos, o que pode comprometer sua elegibilidade sob as regras tradicionais de origem.
Outra negociação em andamento, envolvendo Brasil e Suíça, trata de direitos de propriedade intelectual. “É uma questão de propriedade intelectual—patentes, direitos sobre padrões. Ainda está pendente, mas está sendo tratada diretamente entre Brasil e Suíça”, explicou Eide.
Os dois países discutem desde patentes farmacêuticas—uma indústria-chave na Suíça—até a proteção do queijo gruyère, originário da cidade suíça homônima, mas produzido por diversas empresas brasileiras.
De acordo com Eide, a Noruega concorda com o texto atual e está confiante de que os demais países resolverão os pontos pendentes. “Estamos de acordo com o texto. Agora esperamos pela Suíça, mas também incentivamos tanto a Suíça quanto nossos parceiros do Mercosul a avançarem”, disse.
Outro possível obstáculo é que a Suíça pode realizar um referendo interno para ratificar o acordo, como já fez em outros casos. A questão do desmatamento na Amazônia pode pesar contra o Brasil, especialmente porque alguns países da UE tentaram barrar o acordo Mercosul–UE vinculando a agricultura brasileira à degradação ambiental.
Ainda assim, fontes diplomáticas no Brasil e na Europa veem sinais de avanço. Um exemplo foi a visita da secretária de Estado para Assuntos Econômicos da Suíça, Helene Budliger Artieda, ao Brasil no mês passado, quando se reuniu com o assessor especial de Lula para relações exteriores, Celso Amorim, entre outros.
O objetivo do acordo é ampliar o comércio entre os blocos. Em 2024, o comércio entre o Brasil e os países da EFTA somou US$ 7,1 bilhões. As exportações brasileiras foram de US$ 3 bilhões—principalmente ouro, produtos químicos como óxido de alumínio, café, soja, carnes e alimentos processados.
As importações chegaram a US$ 4 bilhões, compostas sobretudo por produtos farmacêuticos e químicos orgânicos, máquinas e equipamentos, petróleo e gás, além de pescados. As exportações do Brasil são voltadas principalmente para Suíça e Noruega; as importações vêm, em sua maioria, da Suíça.
O chanceler norueguês ressaltou que o acordo também beneficiará o Brasil com a importação de fertilizantes do país nórdico, reduzindo a dependência da Europa Oriental. A Noruega é um dos principais produtores mundiais do insumo.
“Acho que, para o Brasil, o benefício específico é que a Noruega é uma grande produtora de fertilizantes, e fertilizante é importante para o Brasil. E a maior parte do que vocês usam é importada. Um acordo de livre comércio com a EFTA facilitaria o acesso ao nosso produto, reduzindo a dependência da Rússia e da Bielorrússia hoje”, afirmou Eide.
Ex-ministro do Meio Ambiente da Noruega (2021–2023), Eide também comentou suas expectativas para a COP30, que será realizada em Belém, especialmente diante da saída dos EUA do Acordo de Paris.
“É muito triste que os EUA estejam saindo do Acordo de Paris”, disse. “Mas também devemos reconhecer que, com Trump lá dentro, eles tentariam bloquear todas as decisões. Estando fora, ao menos não têm poder sobre os resultados.”
O ministro ressaltou que estados norte-americanos como Califórnia e Illinois continuam comprometidos com o acordo climático, mesmo sem apoio federal. “Não devemos superestimar a importância de Trump aqui. Ele causa estragos em instituições internacionais. Mas, ao deixá-las, também perde essa capacidade”, afirmou.
Ao mesmo tempo, enfatizou que países comprometidos com o clima, como Brasil e Noruega, “precisam fazer mais” enquanto os EUA “fazem menos temporariamente”. A Noruega é o principal parceiro do Brasil no Fundo Amazônia, reativado em 2023 após o congelamento no governo Bolsonaro.
Segundo Eide, a COP30 “fechará o ciclo” iniciado com a Eco-92 no Rio, reunindo os temas de biodiversidade e clima em uma única conferência. O ministro, que já esteve no Brasil quatro vezes, destacou que Belém enfrentará grandes desafios até o evento em novembro.
“Estive em Belém há alguns anos. É uma cidade linda, mas não havia muitos hotéis modernos, por exemplo. Há um grande desafio de infraestrutura. Estou curioso para ver como isso será resolvido”, comentou. E acrescentou uma preocupação: “Preços de hotéis não são um problema para nós, noruegueses, mas são relevantes para ONGs e países menos desenvolvidos”.
Fonte: Valor International