Em busca de solução cooperativa para o acúmulo de ICMS/IBS nas exportações, por Mario de Carvalho Junior
Sabe-se na reforma tributária em curso foi criado um imposto de valor adicionado (com impostos indiretos estaduais e municipais), o IBS.
Em busca de Solução Cooperativa Para o Acúmulo de ICMS/IBS Nas Exportações
por Mario Cordeiro de Carvalho Junior
I – Introdução
Os governadores das principais unidades da Federação têm apontado os efeitos deletérios nas finanças estaduais causados pela isenção fiscal do imposto de circulação de mercadorias (ICMS) acumulado sobre as exportações Porém, esse alerta não sensibiliza as autoridades econômicas do governo federal, nem os atores políticos do Congresso Nacional, nem os eleitores da sociedade civil.
Isso decorre do fato de que os gestores do governo federal se sentem intimidados por pedidos de compensações ou por transferências financeiras entre os entes da Federação decorrentes de isenções tributárias das exportações que reduzam o regime e o viés antiexportador presente hoje e no passado na economia brasileira. Além do mais, como do ponto de vista de uma economia aberta ao exterior, o Brasil não é e nunca foi uma união aduaneira, logo não há razão para que os fazedores de política brasilienses que não possuem uma visão de Brasil se preocupem com os Estados com maiores coeficientes de exportação que fazem parte da Federação que teoricamente compõe a União.
Essa mentalidade e atitude dos gestores de política se aprofundaram a partir do final do processo de redemocratização e do início da abertura comercial nos anos noventa do século passado. Naquela época, quando foi promulgada a Constituição Federal “cidadã” , em 1988, foi dado um prazo de dois anos para convalidar os incentivos fiscais e creditícios às exportações. Como à época, em 1990, cabia então à CACEX – “agência pública que era uma carteira do BB que geria a política de exportação do Brasil“, e, esta foi extinta devido às alegações de práticas de “rent seeking”, as isenções e reduções à zero dos tributos indiretos às exportações, e os regimes aduaneiros dados pela União para os exportadores foram extintos porque ninguém na esplanada dos ministérios em Brasília sabia como lidar com exportação.
Por sorte, em breve tempo, as isenções de impostos indiretos e os regimes aduaneiros foram reincorporados à legislação tributária e aduaneira, sobretudo os que eram de competência da União, pois a isenção pura e simples do ICMS estadual sobre as exportações e o seu acúmulo constavam ainda do Código de Tributário Nacional (CTN), e foi recepcionado no novo quadro legal pós CF 88. Assim, se recompôs em parte a estrutura de incentivos e de isenções e de reduções tributárias para se colocar um produto ou serviço nacional no exterior em condições competitivas, e, ainda se mantinha a possibilidade de continuação de que as empresas exportadoras pudessem usufruir os seus créditos acumulados de ICMS nas vendas externas.
Mas, por outro lado, a estrutura de incentivos às exportações se alterou em meados dos anos noventa do século passado porque o Governo Federal criou a incidência cumulativa de cobrar as contribuições do PIS-COFINS sobre as vendas externas, aumentando o viés antiexportador existente na economia brasileira. Essa incidência ocorreu sobremaneira nas cadeias de produção mais longa, notadamente nas etapas e fases de produção na indústria. Um dos resultados dessa distorção tributária é que isso ajudou a acelerar o chamado processo de desindustrialização observado notadamente no setor industrial.
Cabe destacar que num contexto de uma economia em processo de abertura comercial como estava ocorrendo à época ou de substituição de importações como nos anos setenta e oitenta, e que realiza transações e compras com exterior (exportação e importação) havia (e ainda há hoje) distorções causadas nos mercados de fatores e de produto. Essas distorções são impostas no mercado de produtos por tarifas aduaneiras tanto pela proteção tarifária nominal, quanto pela verdadeira (fruto da relação entre os valores dos impostos aduaneiros outorgados vis a vis ao efetivamente arrecadado), e, também em relação à diferença entre os preços internos e externos dos produtos domésticos vis a vis os internacionais. Para reduzir essas distorções, se pode e se deve isentar ou reduzir até zero os impostos indiretos, os impostos aduaneiros e as contribuições incidentes na exportação do produto final e nos seus insumos – e isso é uma regra aceita internacionalmente no âmbito dos acordos do GATT/OMC.
Isso significa que hoje pode haver a redução do imposto aduaneiro para incentivar a criação e gestão de zona de livre comércio, de zona de processamento de exportações, de acordos de complementação econômica no âmbito da ALADI, do acordo do Mercosul, do regime de drawback, ou de aperfeiçoamento industrial tipo Recof ou na Sudene, na Sudam ou na Suframa. Vale observar que isso é admissível internacionalmente no âmbito dos acordos do GATT/OMC e sua gestão cabe à União. Ao se conceder esse incentivo por produto para compor um bem a ser exportado, a empresa exportadora pode solicitar à União para também reduzir a base de cálculo do IPI (imposto de produtos industrializados) e, depois do produto efetivamente embarcado para o exterior esta pode solicitar o reintegro devido à cobrança cumulativa do PIS – Cofins ao longo da cadeia de produção.
O mesmo principio de isenção ou redução de alíquota é valido para cada produto final em que incida o imposto do ICMS desde que haja comprovação após averbação do despacho aduaneiro de exportação visto que se atesta e se mostra que o bem ou mercadoria saiu efetivamente do território nacional (e de um estado da federação brasileira). Este bem ao sair do Brasil, em tese, sairá sem ter sofrido nenhuma incidência de impostos ou taxas indiretas federais e estaduais visto que o mesmo será objeto de taxação no destino final da venda externa.
Uma questão a ser respondida é porque, nos anos sessenta, os policy makers acrescentaram e impuseram o incentivo do “acúmulo de ICMS” à estrutura de isenção do tributo de ICMS sobre produto final a ser exportado. Vale lembrar, que, naquela época, eles enfrentavam dois dilemas. O primeiro dilema era que, internamente, a economia doméstica – em nível de cada estado da Federação – estava transitando da incidência de um imposto seletivo – conhecido como selo ou estampilha – cobrado em cada Estado para a incidência de taxação com base no valor adicionado que, à época, se chamou de ICM (Imposto de Circulação de Mercadorias). Depois, quando os serviços se tornaram relevantes na economia é que se passou a se denominar ICMS (S de serviços).
A titulo de curiosidade histórica vale lembrar que em cada produto produzido em cada estado se estampava o selo, e, este, poderia então sair do estabelecimento industrial ou comercial para ser vendido para o consumidor localizado no estado produtor ou no resto do Brasil. Este pode ser considerado como um tributo seletivo, que era à época chamado de imposto do selo, e tendo em vista que a taxação sobre o valor adicionado (VAT) era uma novidade no mundo, e nenhum país grande geograficamente adotou naquela época esse sistema em todas as atividades econômicas estaduais, como o Brasil, se decidiu que a incidência do imposto deveria ser na origem, e não no destino. Isso significava que o Brasil não era uma União Alfandegária ou Aduaneira à época. Olhando retrospectivamente isso foi prudente em termos de arrecadação tributária estadual, apesar da eventual redução de ineficiência nos princípios de taxação para justificar avaliações de custo-benefício positivas na hora de elaboração e implantação dos novos projetos industriais que seriam propostos nos anos seguintes devido à execução do Primeiro e Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (PND).
O segundo dilema enfrentado nos anos 1960 pelos policy makers de então era a vulnerabilidade externa do balanço de pagamentos brasileiro. Num período de escassez e racionamento de divisas, mas de profusão de “novos” projetos associados à indústria de transformação (mineração, siderurgia etc.), de bens intermediários (produtores de setor elétrico ou de autopeças) ou de bens de consumo final (tipo automóveis, têxteis, calçados e alimentos), o governo de então criou incentivos fiscais específicos para direcionar essas empresas para o setor externo. De fato, foi criado programa federal denominado de Befiex – para grandes empresas – e CIEX – para médias e pequenas empresas – desde que esses projetos visassem destinar parcela da sua produção a ser instalada para o mercado externo. Assim, de um lado, no âmbito do Befiex ( e do CIEX) se assegurava isenção e não incidência de impostos indiretos federais (IPI etc.), estaduais, e se “instituiu” o acumulo do ICMS exportado por volume a ser exportado como um incentivo fiscal extra para orientar para da produção doméstica para o exterior. Também, nos projetos do Befiex ( e do CIEX) daquela época também se assegurava a redução de impostos diretos – imposto de renda – direcionados para exportação, notadamente na região Norte e Nordeste.
E, em todos os projetos chancelados pelo Befiex (e do CIEX) e nos demais projetos “aprovados” no âmbito do Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI) do então Ministério da Indústria e Comércio (MIC) sempre se incentivavam a quem apresentasse projeto que se colocasse no papel do projeto que exportar é um objetivo do empreendimento, e se argumentava que além de não haver a incidência do ICM na exportação do bem, ainda haveria a possibilidade de ressarcimento para quem tivesse obtido valor de ICM acumulado por causa das vendas externas, fruto de uma maior orientação externa do projeto. Em termos contábeis, se cria assim um “lançamento criativo” a ser compensado fruto do saldo acumulado entre exercícios fiscais entre o tributo “calculado e não recolhido na exportação” vis a vis ao “tributo calculado para as vendas internas”. Esta ”criatividade” era passível de ser estendida, pois esse “acumulo” pode ser passível de ser compensado para pagar o tributo estadual ou ressarcido em cash ao exportador (se houver dinheiro no caixa estadual).
Essa diretriz de política foi corretamente recepcionada no Código Tributário Nacional (CTN) à época. Isso mostra que os policy makers mesmo que estivessem operando sob um regime de substituição de importação com restrição de divisas tinham sensibilidade para dotar o país com incentivos fiscais e creditícios para promover as exportações brasileiras. Contudo, cabe mencionar que aqueles policy makers trabalhavam sob um risco e incerteza em relação à evolução da economia externa.
O fato a mencionar é que, apesar das corretas diretrizes de planejamento econômico adotadas naquele período, não se levava em conta e não havia cenários apontando de que se teriam dois choques do petróleo na economia mundial e um problema para financiar o passivo externo brasileiro, que obrigaria a orientar, sobretudo a indústria de transformação nacional, para o mercado externo, como se observou nos anos 1980 e 1990. Sem dúvida, no período de vigência dos dois PNDs, durante o período militar, observa-se a aprovação de um conjunto de “novos” projetos “industriais” que começaram a operar, em linhas gerais, no início dos anos 1980 – já no período da crise do balanço de pagamentos e da dívida externa brasileira. O resultado desse choque externo foi que nos anos oitenta houve uma forte desvalorização real e uma mudança dos preços relativos internos/externos à época, e como já se estava com um parque industrial novo, com competitividade de preço e de produto foi possível fazer uma reorientação externa da produção doméstica.
É de conhecimento geral que o efeito do aumento nas exportações e sua contribuição para o saldo da balança comercial foram positivos para a economia brasileira. Por sua vez, a redução para zero das desonerações dos impostos indiretos da União para compor o valor exportador gera um efeito direto de renda e emprego, sem mexer no caixa do tesouro nacional. No entanto, isso não ocorre no caso dos fiscos estaduais em função do acúmulo de ICMS porque na ausência de compensação por tributos estudais há necessidade de saída de recursos financeiros do erário estadual. Além disso, não há análise e estudos sobre o “passivo contingencial oculto” nas contas estaduais fruto do não pagamento dos saldos acumulados de ICMS nas exportações, pois não há dados fidedignos sobre o assunto.
Considerando que haverá em breve o início da transição e substituição do atual ICMS pelo IBS – fruto da reforma tributária em curso – é preciso compreender que haverá um tipo de “chave” em que se consolidará e se convalidará os valores a serem ressarcidos por causa dos acúmulos de ICMS nas exportações pelos erários estaduais sob a sistemática do ICMS antiga. A seguir, já sob a égide do IBS se começará a calcular, mensurar, submeter à validação, e, posterior convalidação os novos valores acumulados de ICMS nas exportações, simultaneamente, pelos erários estaduais sob supervisão do CG-IBS, criado no bojo da nova reforma tributária. Essa mudança de paradigma na administração tributária pode alterar o jogo não cooperativo atualmente existente entre exportador e os governos estaduais para um jogo cooperativo no tocante a validação e ressarcimento dos acúmulos de créditos de exportações no antigo ICMS ou no novo IBS, e, assim ambos ganhem.
Aliás, o objetivo deste artigo é buscar alternativas para se tentar obter cooperação entre agentes egoístas para sair do dilema do acumulo de créditos de ICMS e/ou IBS nas exportações. Nesse sentido, a segunda seção descreve a dinâmica vigente no momento atual da relação entre acumulo de icms nas exportações e as finanças estaduais. Por sua vez, na terceira e última seção se busca expor á luz do novo IBS e do GG-IBS como se poderia adotar uma estratégia cooperativa de isenção desse tributo indireto na exportação incentivando para que o país possa vir a se tornar uma união aduaneira de fato, e não se penalize os cofres estaduais com os novos acúmulos de IBS. Para finalizar se propõe uma mobilização de recursos internos para quitar a dívida estadual passada com os acúmulos de créditos com exportações contraída com os exportadores de modo a criar uma situação ganha-ganha para os exportadores, os estados, e até a União. Em suma, para o Brasil!
II – A Atual Dinâmica da Isenção e do Acumulo de ICMS nas Exportações
Para entender o clamor dos governadores estaduais do passado e do presente em relação à isenção e ao acumulo de ICMS nas exportações é preciso antes compreender o efeito diacrônico entre a incidência tributária estadual ex ante e a isenção ex post sobre as exportações e seus efeitos nos orçamentos estaduais. Pela legislação, somente depois de efetivada a exportação – saída da mercadoria do território nacional comprovada via averbação de documento de exportação registrado no Siscomex – é que o exportador poderá lançar na contabilidade da empresa os valores em reais das isenções fiscais relacionadas ás exportações de impostos indiretos estaduais e federais. Mas, para registrar e usufruir a isenção, no caso de acúmulo de créditos de tributos estaduais, o exportador deve requerer, mostrar e comprovar junto às secretarias estaduais – anualmente – se há acúmulo de créditos de ICMS nas vendas externas.
Isso ocorre sempre que a orientação estratégica da empresa for a de direcionar uma grande parte da produção para o mercado externo. Como regra de bolso, diz-se que a empresa ao exportar e embarcar para o exterior mais de 30% da sua produção, vai gerar a incidência de créditos acumulados de ICMS, por não poder compensar esses créditos contra o pagamento dos tributos estaduais. Com relação à quando e se esta empresa exportadora irá usufruir esse crédito, que constará do seu balanço, esta dependerá da decisão do secretário de Fazenda de cada estado e, sobretudo, das formas de compensação que podem ser desenhadas e expostas – segundo o Regulamento do ICMS (RICMS) em cada estado da Federação.
Vale lembrar que o acúmulo e o ressarcimento decorrentes da isenção do ICMS nas exportações acabam por reduzir o nível de arrecadação e afeta a gestão das finanças públicas dos estados. Vale lembrar que o ICMS é principal imposto estadual, e o acumulo de ICMS nas exportações compromete a arrecadação futura dos Estados com eventos passados.
Costuma-se afirmar que essa perda de receitas seria amplamente compensada pelo aumento da renda e emprego e pelo aumento futuro do recolhimento de impostos diretos e indiretos, mas isso nem sempre corresponde à verdade. Em estados com presença significativa de setores fortemente orientados para a exportação, o volume acumulado de créditos de ICMS pode não ser totalmente compensado por vendas internas. Assim, há situações em que a arrecadação de ICMS com vendas domésticas é insuficiente para compensar as isenções e o acumulo de ICMS devidos pelo processamento, no próprio estado produtor da exportação, e de matérias-primas ou insumos produzidos localmente, e que são agregados ao produto exportado.
Para as empresas exportadoras potenciais e as iniciantes, essa situação também é desfavorável. Elas são obrigadas a gerenciar seus negócios tendo em vista, de um lado, a possibilidade de não compensar as isenções fiscais nas exportações contra os impostos estaduais devidos com sua produção e venda para o mercado interno. De outro lado, podem não se integrar aos fornecedores de mercadorias localizados em outros estados, na medida em que, com a Lei Kandir, não se assegura que o ICMS envolvido na transação no mercado interno vindo de outro estado da Federação seja apropriado na venda da exportação do produto final. Ou seja, isso é o exemplo que o Brasil não é uma união aduaneira em termos de exportação. Demais, essa distorção tributária acaba gerando uma especialização “regressiva” das exportações, em certos estados, em direção a produtos in natura e/ou com cadeia de valor “curta” – característica do setor do agronegócio. Eventualmente, com a introdução do IBS na nova reforma tributária no Congresso Nacional isto poderá não ocorrer mais, e o Brasil poderá vir a ser uma união aduaneira.
No entanto, o pior ainda poderá ocorrer. O acúmulo passado de créditos de ICMS nas exportações foi crescente ao longo dos anos pelo aumento da orientação externa da economia de cada Estado da Federação. Na maior parte dos Estados poderá ser quase impossível de ser compensada no futuro, pelos Tesouros estaduais, com consequências desastrosas para os cidadãos dependentes de serviços públicos. Até pode ocorrer que parte dos exportadores tenha sucesso em ações judiciais para a execução desses créditos fiscais. Mas, o fato a destacar é que, à luz da lei, esses créditos são considerados dívidas estaduais, ainda que haja incerteza acerca de quando no futuro serão créditos líquidos e/ou direitos creditórios certos para os exportadores que tenham comprovado junto as Receitas Estaduais créditos acumulados com exportações.
Sem dúvida, há razões para as reclamações dos governadores e, dados os valores das cifras dos créditos acumulados pelas isenções de ICMS com as exportações, há apreensão acerca do montante a pagar no presente e no futuro. Demais, se suas Secretarias de Fazenda fizerem hoje a validação do montante de ICMS acumulado a ressarcir das empresas exportadoras, todos os governadores poderão vir a ser arrolados por violar a Lei de Responsabilidade Fiscal, visto ter gerado, no período em que estiveram no cargo de governador estadual, dívida contra o Estado sem ter identificado receita para quitar essa despesa. Isso faz com que as secretarias estaduais levem anos para homologar os créditos de ICMS acumulados nas exportações, passando ou empurrando para o próximo governo essa decisão estadual. Por sua vez, as empresas exportadoras – sobretudo as de capital aberto ou multinacionais, têm a obrigação – por questão de compliance e de auditoria – de estabelecer um “valor aproximado” desse crédito fiscal. Ao fazer as anotações contábeis apropriadas, em geral, esse crédito será eventualmente tratado como um crédito de recuperação duvidosa, principalmente se a empresa exportadora precisar ter um maior acesso ao mercado financeiro para obter empréstimo ou financiamento ou ter de montar uma operação de captação no mercado de capital para produzir e exportar.
Face ao exposto se constata, portanto, que há razões para as reclamações dos governadores. Cabe ressaltar que por decisão do STF, a União está obrigada até 2038 de efetuar a compensação de cerca de 1/3 das perdas estimadas pelos Tesouros estaduais com as isenções às exportações de ICMS. Porém, se essa compensação permite aos Estados recuperem parte da renúncia fiscal corrente com as exportações, esta não possibilita que resolvam o problema dos créditos acumulados por isenções passadas. Isso ocorre porque o Tesouro Nacional deposita nos Tesouros Nacionais recursos sobre a rubrica 00, e esses recursos financeiros entram como receita/transferência da União para os Estados. Por sua vez, esses não quitam suas dívidas estaduais devidas pelos acúmulos junto aos exportadores. Em linhas gerais, o descrito acima mostra que a atual dinâmica do acúmulo de ICMS nas exportações incentiva a não cooperação entre as empresas exportadoras e os Estados, e não potencializa as vantagens e nem internaliza os ganhos advindos de uma maior orientação externa e inserção no mercado internacional.
III – Em busca de uma solução cooperativa entre atores para o acumulo de ICMS/IBS nas Exportações
Sabe-se que o bojo da reforma tributária em curso foi criado um imposto de valor adicionado (somando impostos indiretos estaduais e municipais) denominado de IBS. Este em tese será cobrado no destino. Isso significa que foi dado um primeiro grande passo para que o país vire uma União Aduaneira de fato entre os Estados que compõe a União.
Todavia para que essa união aduaneira se efetive de fato e de direito, é preciso estabelecer duas medidas.
A primeira é que o governo federal, principal interessado nas receitas cambiais originadas com as exportações, assuma suas responsabilidades, e passe a ressarcir totalmente os estados exportadores pelas perdas de receitas de ICMS e, principalmente, garanta receitas aos estados que eventualmente possam vir a perder renda com a translação da incidência de tributos indiretos da origem para o destino nas exportações, derivados de créditos acumulados no IBS.
O instrumento adequado para lidar com essa situação na exportação seria a instituição de um “drawback verde amarelo” generalizado entre os entes da Federação, associado à constituição de um fundo contábil e financeiro de compensação de perdas de receitas com isenções e acúmulos de tributos na exportação ou devido à mudança de taxação de origem e destino do IBS, com recursos oriundos do imposto de importação, durante, por exemplo, dois períodos presidenciais, para não haver vinculação de tributos à despesa.
Com a adoção desse mecanismo, o Brasil se tornaria, de fato, uma união aduaneira para fins de exportação, sob o novo IBS. A adaptação do sistema informatizado de drawback existente permitiria que todas as Secretarias Estaduais de Fazenda e a Receita Federal realizassem de forma compartilhada o acompanhamento e o controle das empresas exportadoras, o que possibilitaria a automaticidade nos repasses de ressarcimento dos estados pela isenção fiscal das exportações do IBS.
A segunda medida é romper com o acumulo de créditos as exportações em função do novo IBS. Para isso, em projeto de lei a ser enviado pelo Governo Federal , o Congresso Nacional deve revogar explicitamente os artigos e o parágrafos do Código Tributário Nacional (CTN) em que há previsão de acúmulo de créditos nas exportações, e a possibilidade de compensação de tributos , no caso o IBS por ser o sucessor do ICMS.
Em outras palavras, mantém-se a não incidência de tributos indiretos nas exportações previstos na atual Constituição Federal e no Acordo da OMC, mas evita-se o acúmulo de crédito visto que este pode ser considerado subsídio e vir a ser questionado no organismo de apelação da OMC caso as empresas recebam e usufruam de fato o benefício fiscal do acúmulo de crédito do IBS.
Dito de outra forma, numa situação em que os caixas dos tesouros estaduais e da Federação pudessem ressarcir em reais de forma automática, ou anualmente ou até securitizar os créditos em relação aos “acúmulos” do IBS, nossos parceiros comerciais iriam perceber que esse benefício derivado dos “acúmulos” de IBS nas exportações entraria a mais no caixa das empresas exportadoras, e esse valor seria contestado no futuro no âmbito da OMC como subsidio.
Então, se esse “acúmulo de ICMS” em tese viola os princípios dos acordos do GATT e da OMC em relação aos subsídios, cabe hoje ao Congresso Nacional revogar explicitamente os artigos e os parágrafos do CTN em que há previsão de acúmulo de créditos nas exportações e a possibilidade de compensação de tributos estaduais. Nesse novo cenário, a sistemática a ser adotada nas exportações deveria seguir em linhas gerais o seguinte procedimento: o “novo” tributo IBS será cobrado no destino, com base no valor agregado e, no caso da exportação este então será pago pelo comprador no exterior. Como esse tributo é isento pela Constituição Federal, é indireto e aceito pela OMC, não será objeto no Brasil de incidência de impostos.
A urgência para encaminhar uma solução que revogue os acúmulos do IBS em exportações futuras é inconteste, e o desespero e o clamor de alguns governadores com a situação fiscal de seus estados por causa do acúmulo de créditos às exportações é prova cabal disso. Inclusive, eles tentaram criar novos impostos estaduais sobre as exportações na proposta da reforma tributária em curso exatamente pela magnitude do acúmulo de ICMS/IBS, e não pelo valor da não incidência do valor do ICMS/IBS na exportação visto que essa não gera impacto no Tesouro Estadual e ainda gera emprego e renda.
É por causa do acúmulo passado de ICMS e futuro do IBS nas exportações é que os alertas dos governadores devem ser tratados com maior seriedade, pois é grave a situação existente, e acirra-se a cada dia. Seu encaminhamento depende integralmente da autoridade federal, que detém o poder e, exercendo-o, pode mobilizar a máquina administrativa para apresentar alternativas, para que, no debate político, o Congresso Nacional decida a solução adequada para o país. Com um encaminhamento de um projeto de lei que preveja o exposto anteriormente – revogar explicitamente artigos e parágrafos do CTN em que há previsão de acúmulo de créditos nas exportações, e a possibilidade de compensação de tributos estaduais – se resolve o problema para frente, ao não permitir o a geração de novos acúmulos de exportação no IBS.
Mas, restará enfrentar o problema a ser observado no período de substituição do atual ICMS pelo IBS. Em outras palavras de como lidar em termos de administração tributária a questão da “chave” em que se consolidará e se convalidará os valores a serem ressarcidos por causa dos acúmulos passados de ICMS nas exportações pelos erários estaduais sob a sistemática do ICMS antiga. E, a seguir, já sob a égide da “nova” chave do IBS se começará a calcular, mensurar, submeter à validação, e, posterior convalidação os novos valores de IBS nas exportações, simultaneamente, pelos erários estaduais sob a supervisão do CG-IBS. Importa que a figura jurídica do acúmulo seja revogada explicitamente do CTN na hora de se começar a usar a “chave” em que idealmente não haverá mais a figura de acumulo.
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Cabe ressaltar que há dividas estaduais passadas contraídas pelo acumulo das exportações com ICMS ou IBS depois da ligação da “chave” preferencialmente sem acumulo de IBS. Esstas dividas poderiam ser pagas por meio de um programa de MRI – Mobilização de Recursos Internos – para financiar as exportações via formação de fundo do tipo FGI. A sugestão é que os recursos financeiros fossem provenientes a partir da constituição pela União de um fundo contábil e financeiro de compensação de perdas de receitas com isenções de tributos na exportação ou devido à mudança de taxação de origem e destino do IBS, com recursos oriundos do imposto de importação, durante, por exemplo, dois períodos presidenciais, para não haver vinculação de tributos à despesa.
O programa de MRI – Mobilização de Recursos Internos – para financiar as exportações via formação de fundo do tipo FGI pode e deve ser desenhado nos segundos moldes:
a) As empresas exportadoras e/ou os grupos econômicos detentores dos créditos acumulados de ICMS/IBS na exportação de cada estado da Federação negociariam com algum ator da Faria Lima, em São Paulo, ou do Leblon, no Rio de Janeiro, ou do mercado de capitais o interesse na abertura de um fundo privado – tipo FGI de trade finance – para financiar as exportações de pré ou pós-embarques de bens e serviços com base nos títulos e obrigações estaduais recebidas ou a receber; e informariam nos seus balanços os valores eventuais a receber caso esses fossem homologados pelas secretarias estaduais. Esses recursos devidos pelos estados para o ressarcimento pelo acúmulo passado de créditos de ICMS ou IBS nas exportações terão de compor esse fundo privado do tipo FGI. Vale lembrar que o pagamento em espécie ou outro tipo de compensação a ser feita pelo tesouro de cada estado é competência do secretário de Fazenda estadual segundo o RICMS de cada unidade da Federação.
b) Ato contínuo, entidade representativa do setor da empresa exportadora, com sede em cada estado da Federação, na qual a empresa exportadora esteja inserida deverá solicitar à Justiça Estadual que, de acordo com a lei de informação, que o secretário da Sefaz informe os créditos homologados em relação aos créditos de ICMS nas exportações. Por sua vez, entidade nacional representativa de empresas exportadoras deveria solicitar audiência ao ministro do STF, relator da ADO 25, para mostrar e informar que apesar de a União estar repassando aos estados, por meio da rubrica 00 do orçamento federal, a compensação pela desoneração das exportações do ICMS/IBS, os estados não estão repassando os recursos do acordo firmado entre União e Estados para as empresas que são detentoras de crédito líquido e certo do ICMS/IBS acumulados nas exportações. Após essa audiência, a entidade estadual descrita anteriormente deveria solicitar à Justiça Estadual que intime o secretário de Fazenda por apropriação indébita de recursos, e aguardar a liberação desses recursos para a constituição do fundo de investimento do tipo FGI.
c) Com os créditos oficialmente reconhecidos pelo governo de cada estado da Federação segundo normas emanadas no GG-IBS, e, havendo autorização expressa da diretoria do BNDES, este poderia estruturar uma operação de securitização desses créditos acumulados de exportações em poder da empresa exportadora de cada estado. Nesse sentido, o banco iria autorizar a abertura de uma linha de crédito para cada governo estadual. O contrato entre o BNDES e o governo estadual seria impostado no Sistema de Análise da Dívida Pública, das Operações de Crédito e Garantias da União, Estados e Municípios (Sadipem), da Secretaria do Tesouro Nacional. Nesse sistema seria feito um pedido de verificação de limite para o enquadramento de cada estado em relação aos critérios da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Resolução no 43/2001 do Senado Federal. Vale lembrar que para que uma nova operação seja aprovada é necessário que a média anual da relação entre o serviço da dívida e a receita corrente líquida projetada não seja superior a 11,5% (§ 4º do art. 7º da RSF nº 43/2001).
d) Estabelecido isso, a BNDESPAR ou a área de mercado de capitais desse banco e a empresa exportadora ou grupo econômico que detém os créditos acumulados de ICMS nas exportações podem sentar e negociar as condições para abrir o seu FGI junto ao mercado financeiro.
e) Sob o princípio de que “no Brasil, até o passado é incerto” – máxima atribuída ao professor Pedro Malan – seria de bom tom que a entidade nacional representativa de empresas exportadoras solicitasse ajuste na ADO 25 para que essas operações de securitização de créditos de ICMS acumulados entre o BNDES e os estados fossem generalizadas, de modo que os repasses da União via Tesouro Nacional em vez da rubrica 00 servissem de fontes de funding para o BNDES executar essa securitização. Adotar esse procedimento é bom para as finanças estaduais, pois evitam que esqueletos fiscais estaduais ocasionados pelo acúmulo do ICMS e do IBS nas exportações fiquem escondidos na contabilidade pública estadual, e, como os repasses da União para os estados estão garantidos até 2037, até lá com os recursos oriundos do imposto de importação se conseguirá eliminar esse elemento de conflito distributivo das receitas tributárias da Federação brasileira, e tornar o Brasil uma União Aduaneira.
Do exposto até aqui, se pode observar que há possibilidade de Solução Cooperativa Para o Acumulo de ICMS/IBS Nas Exportações. Falta apenas vontade política!
Mario Cordeiro de Carvalho Junior – Professor da FAF-UERJ
O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN.
O acúmulo de ICMS/IBS nas exportações, por Mario de Carvalho (jornalggn.com.br)