Estudo de agência do governo não vê motivos para restringir participação em leilão no porto de Santos
Área técnica da Antaq afirma não ter encontrado elementos que justificassem proibição de armadores no certame
Em novo estudo concorrencial, a área técnica da Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) disse não ter identificado elementos para justificar a exclusão de armadores (transportadores, donos de navios) do leilão para concessão do Tecon 10, o megaterminal do porto de Santos.
Mas a agência vê com olhos mais favoráveis a entrada de uma nova empresa no certame. Seria uma companhia que ainda não opere em Santos.
Há uma disputa de influência sobre as regras do leilão: se a participação será livre para qualquer interessado ou se haverá restrições.
O terminal será instalado na região do Saboó, em Santos. Serão 423 mil metros quadrados em 1.300 metros de cais. A expectativa é que entre em operação em 2027 e, a partir de 2034, movimente 3,5 milhões de TEUs (referência para unidades de contêineres de 20 pés).
A promessa é de aumentar entre 40% e 50% a movimentação no porto.
A liberdade à participação de qualquer interessado já foi objeto de processos no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e motivo de pressão política no Ministério dos Portos e Aeroportos. Em uma primeira análise, a Antaq não havia colocado nenhuma restrição. Mas decidiu realizar outro estudo a partir de sugestões feitas em audiências sobre o tema.
A nota técnica não tem caráter decisório. Faz sugestões à diretoria da agência sobre “fatores econômicos, jurídicos, institucionais e conjunturas que hão de ser consideradas para a definição de balizas do certame licitatório”, como explica o documento.
A queixa de operadores do porto é que armadores como Maersk e MSC, que já têm terminal em Santos, provocariam uma concentração que seria danosa à livre concorrência. O estudo da Antaq contempla isso e afirma que BTP (uma joint venture entre Maersk e MSC), DP World e Santos Brasil (recentemente vendida para a CMA CGM) poderiam exercer pressão competitiva sobre os demais.
Mas o estudo concorrencial afirma que essa concentração pode ser reduzida “de forma eficaz por meio de instrumentos regulatórios e concorrenciais já disponíveis”.
A Antaq deverá enviar uma recomendação ao TCU (Tribunal de Contas da União) para definição do modelo de leilão. A Folha apurou que, se a diretoria da Antaq for em direção diferente do seu estudo técnico, será questionada por armadores.
“Dependendo do que acontecer, tende a acontecer [uma judicialização do processo]. Se ferir a lei de liberdade econômica, é possível que alguém se movimente nesse sentido”, afirma Claudio Loureiro de Souza, diretor executivo do CENTRONAVE (Centro de Navegação Transatlântico), entidade que reúne armadores.
“A gente precisa de berço de atracação [em Santos], de calado [profundidade do canal]. Os navios estão esperando 50 horas, é uma situação dramática. A operação de contêineres é chegar, operar, sair e ir embora. A demanda está muito forte e não podemos aumentar o número de navios porque não pode aumentar o número de berços”, completa.
Mas para operadores de terminais que estão dentro e fora do porto, há o risco de concentração de cargas por apenas uma empresa, inviabilizando a concorrência.
“O armador atraca o navio preferencialmente no terminal dele, independentemente do valor cobrado pelos outros terminais. Quem contrata o terminal é o armador. Ele tem a capacidade de sufocar a concorrência”, diz Angelino Caputo, presidente da ABTRA (Associação Brasileira de Terminais e Recintos Alfandegados).
Os terminais chamados de verticalizados operam em todas as etapas do transporte. São donos do navio, do terminal e fazem a movimentação da carga.
A nota técnica da Antaq diz não vislumbrar “fundamento técnico ou jurídico para vedar a participação de armadores na licitação, desde que observadas normas de isonomia, acesso não discriminatório e transparência regulatória.”
Entre os seis cenários analisados pela Antaq, estão aqueles que poderiam, no entender da agência, promover prejuízo concorrencial no porto. Como se a BTP vencesse o leilão, por exemplo. O que poderia fazer com que Maersk e MSC tenham 60% do mercado.
“Há sempre a possibilidade de que a empresa ganhadora venda outro ativo”, cita o diretor executivo do CENTRONAVE.
Este é um assunto comentado até pelos que são favoráveis à restrição: que Maersk ou MSC, se vencer a concessão no Tecon 10, venderia para o outro sócio os 50% da BTP.
“A saída de uma das controladoras da BTP acarretaria uma redistribuição de capacidade instalada de movimentação de contêineres”, analisa o estudo concorrencial, que também considera que a possibilidade de a Santos Brasil, hoje o terminal que mais movimenta cargas no porto, ganhar o certame acarretria uma concentração excessiva em apenas uma empresa.
Em menor volume, a Antaq pensa o mesmo a respeito de hipotética vitória da DP World, outro terminal que já opera em Santos.
A autarquia faz os maiores elogios à possibilidade de uma nova empresa, que não seja verticalizada, entrar na disputa e vencê-la. Isso vai de encontro ao maior comentário entre operadores em Santos: a possibilidade de a JBS Terminais ganhar o leilão, sozinha ou associada a uma armadora como a Cosco, por exemplo, subsidiária da China Ocean Shipping.
Fonte: Folha de São Paulo