Sobre a arte de negociar com Trump 2.0, por Mario C. de Carvalho Jr
Temos de reconhecer que no passado fomos bons na interpretação do acordo do GATT e em sua solução de controvérsias.
A arte de negociar é um livro escrito pelo então incorporador Donald Trump, antes de se tornar democraticamente eleito – por duas vezes – Presidente dos EUA. Hoje, comanda ainda uma grande economia, que tem a mais dispendiosa e belicosa das forças armadas do mundo moderno. De fato, ele lidera um império com sinais de decadência porque sua economia não apresenta dinamismo econômico e tecnológico no longo prazo devido ao excesso de gastos públicos, ao alto nível da dívida pública, ao contínuo déficit comercial, e ao seu gasto militar que só cresce por ser a gendarme do mundo.
A existência e a manutenção conjunta de déficit comercial e orçamentário fazem com que os principais bancos centrais do mundo diversifiquem os seus ativos que estão nos portfolios de suas reservas internacionais, reduzindo a presença do dólar e o trocando por ouro e outras moedas conversíveis, como o renimbi, yen ou até as recém-criadas moedas digitais. Isso não é um processo de desdolarização, mas um movimento prudente dos Bancos Centrais do resto do mundo face à incerteza e ao risco de carregar nas reservas ativos financeiros denominados em dólar. Isso significa que o dólar está perdendo aos poucos sua função de reserva de valor devido à gradual perda de credibilidade da gestão macroeconômica implantada simultaneamente pelo Federal Reserve, e pelo Departamento do Tesouro norte-americano.
Ao colocar a política denominada de “America First”, como objetivo de política comercial e de trade policy, e, também cobrar das nações que necessitam de proteção militar – exemplo União Europeia – que entrem com um maior valor de gastos para a sua segurança mostra que são corretas as metas e ações do Governo Trump 2.0 para reduzir o excesso de dispêndio que os EUA fazem no seu complexo industrial militar. Além disso, ao buscar reduzir o peso da máquina pública norte americana obrigando-a ser mais eficiente e efetiva através de sugestões de ações de corte de custos feita pelo departamento DOGE – criado por Trump e gerido por Elon Musk – sinaliza um compromisso com credibilidade de política fiscal para reduzir os gastos públicos correntes.
Vale lembrar, que além de ser um incorporador de renome, Trump tempos atrás também comandou um “reality show,” cuja técnica passou a adotar na gestão da sua agenda de política interna e externa, tanto no período do Trump 1.0, quanto agora no 2.0. Data daquela época o saber ”zoar” os brasileiros. Primeiro, foi provocar o derrotado treinador da seleção de futebol brasileira da época – Tite – sobre a atuação do nosso time. Usando conquistas passadas, em entrevista televisiva, nos EUA, o nosso timoneiro sem rumo da CBF levantou uma mão sinalizando os cinco títulos mundiais ganhos num passado de glória.
Sabiamente, naquele momento Trump não revidou! Mas, ele cutucou os brasileiros de uma forma singular tempos depois. Isso ocorreu ao assinar durante o período Trump 1.0 o novo acordo comercial entre os EUA com o México e Canadá. O então presidente do EUA – numa atitude comum sua – fez comentários extra pauta, sobre a Índia e o Brasil. Vindo de Trump, devemos num primeiro momento analisar e entender os adjetivos usados à época por Trump – “beauty and toughest” – para se referir aos brasileiros.
De um lado, o “beauty” vem da nossa geografia, afinal ele já conhecia o encanto da Cidade Maravilhosa – o Rio de Janeiro – aonde quase ia fincar uma ‘’Trump Tower’’. E, ao não fechar negócio no Brasil para implantar um mero empreendimento imobiliário perto do cais do Porto do Rio, este descobriu o emaranhando de impostos, taxas, emolumentos e multas envolvida numa operação comercial com brasileiros. Aliás, já agora no período Trump 2.0, este faz a mesma alusão à burocracia em excesso existente no Brasil ao falar da incidência de taxação de renda e de preço de transferências impostas sobre as empresas multinacionais de origem de capital norte-americano.
Para Trump 1.0 e equipe, o estilo de negociação do ’brasileiro é o de ser “duro” (toughest)! Todavia, antes de aceitar essa pecha, cabe indagar se o brasileiro seria realmente duro numa negociação internacional, seja por via diplomática ou comercial? Para entender a “boutade” de Trump é preciso lembrar o ditado popular: quem bate esquece, quem apanha lembra! No contencioso do algodão com os EUA, resolvido no âmbito do comitê de soluções de controvérsias da OMC, fomos duríssimos usando punhos de rendas. Nossos cisnes do Palácio do Itamaraty com base em princípios claros expostos no acordo multilateral firmado no âmbito do antigo GATT durante a negociação com o Governo dos EUA não aceitaram barganhar. Resultado: colocaram de joelhos o Poder Executivo Norte-Americano visto que este foi obrigado a negociar com o seu Poder Legislativo – câmara baixa e alta – para mudar a “Farm Bill”. E, isso contrariou à época e muito os interesses dos eleitores e dos estados do sul daquela nação. Tudo isso ocorreu há uns vinte anos, e a estratégia do Itamaraty foi tão precisa que virou “cases” para a área do direito internacional, e em teoria de jogos!
A partir dessa visão calcada no direito internacional oriundo do GATT/OMC e das regras das leis norte-americanas, inclusive a de Comércio que são usados nas argumentações e nas cartas localizadas nos punhos de renda dos nossos negociadores do Itamaraty advém a percepção dos negociadores norte americanos de que somos duros negociadores! Porém, pela cartilha e a prática negocial de Trump 2.0 e sua equipe somos previsíveis por agirmos by the book da OMC/GATT e das leis de comércio norte americana.
De fato, não há clareza por parte dos atores governamentais e dos defensores dos interesses das empresas exportadoras, no Brasil, de que o primeiro book está, hoje, ao menos em desuso e paralisado ao menos no comitê de soluções de controvérsias da OMC, e, em função da prática de commom law há novas interpretações plausíveis em curso da legislação americana nos tribunais e no executivo e legislativo daquela nação. E, ainda não se entendeu, no Brasil, que a tarifa aduaneira, em termos históricos, nos EUA, foi usada com três objetivos a saber: a) para arrecadar recursos para fazer face às despesas da União; b) para alterar o padrão de produção local com vistas à proteger à produção doméstica norte-americana contra importações com dumping ou subsídios; ou c) como instrumento para obter reciprocidade nas relações econômicas de setores, indústria, e dos EUA tanto com parceiros comerciais de forma bilateral, regional ou multilateral. Demais, os propósitos desses instrumentos são para atingir objetivos econômicos e não econômicos. Hoje, grosso modo, temos que compreender e distinguir essas intenções quando Trump 2.0 usar o instrumento de tarifas aduaneiras.
O nosso problema, no período Trump 2.0, caracterizado por novos tempos de negociação internacional em que a linearidade da conduta e da análise do problema dá lugar para o reino da não linearidade, da incerteza e das escolhas de “trade off’’ presente e futuro numa negociação comercial e diplomática só torna frágil nossos negociadores, tanto os nossos cisnes do Itamaraty, quanto os defensores dos interesses empresariais brasileiros junto aos EUA.
Importa reter, no momento presente, que só incorporando os elementos descritos acima com base numa perspectiva de lógica fuzzy é que poderemos agora no período Trump 2.0 nos prepararmos para uma negociação agressiva unilateral, tanto da parte de Trump, quanto dos membros do seu Governo
Temos de reconhecer que no passado fomos bons na interpretação do acordo do GATT e em sua solução de controvérsias. Mas, foi nesse locus institucional que perdemos – em termos multilaterais – o desenho e o fundamento da política industrial e de comercio exterior de governos passados, inclusive o período Lula I e II, e tivemos de oferecer compensações aos nossos parceiros comerciais.
Isso posto é preciso que reconheçamos que apesar do volume da corrente de comercio de bens e serviços entre o Brasil e os Estados Unidos, o saldo comercial favorável aos EUA, e ao crescente número de emigrados legais brasileiros nos EUA trabalhando e investindo tanto lá quanto cá, e que hoje somam a quase quatro milhões de pessoas há um contencioso comercial histórico entre o Brasil e os EUA que vem desde os anos noventa do século passado.
De fato, o Governo Norte Americano monitora de forma constante o contencioso nas nossas relações comerciais, e há revisões anuais, principalmente pelo USTR – United States Trade Representative -, quanto por outros órgãos daquele país. Estivemos na “lista de observação” da seção 232 e da seção especial 301 da Lei de Comércio dos EUA; temos revisão sempre em curso dos produtos da lista de beneficiários do Sistema Geral de Preferências – SGP, notadamente das exportações oriundas da região Norte e Nordeste; e, os incentivos fiscais e subsídios creditícios que oferecemos a nossas empresas exportadoras estão sob o escrutínio conjunto do departamento do comércio e do USTR. Isso tudo sem falar de toda espécie de medidas de importação, de barreiras não tarifárias, de medidas fito-sanitárias, e barreiras técnicas gerais ou setoriais que impomos, segundo o USTR, aos produtos já comercializados pelos fornecedores dos EUA, ou que eles porventura podem fornecer. E, estamos sempre na lista de país que permite a importação de produtos de marca falsificados e que infringe a propriedade intelectual. Vale lembrar que todas essas análises e diagnósticos do governo norte americano estão descritos em relatórios públicos dessas instituições, e disponíveis na internet.
Hoje, grosso modo, temos que compreender que com Trump 2.0, este contencioso estará subjacente em qualquer negociação, mas dada à amplitude da proposta de tarifa reciproca com vistas a obter reciprocidade para acesso com corte bilateral ao mercado de lá (EUA) e de cá ( BRASIL), e, dada a superposição do antigo contencioso comercial com a nova proposta de reciprocidade de redução tarifária , a pergunta a ser respondida é o que fazer num contexto de negociação agressiva comandada por Trump?
O primeiro ponto é compreendermos o anuncio a ser feito próximo dia 02 de abril – cunhado por Trump como “liberation day” – em que serão expostas as diretrizes e talvez o nível das tarifas reciprocas proposto pelos EUA. O divertido e o interessante é que nunca antes na história do mundo um grande player que tem a sua economia já aberta irá propor e negociar por meio de tarifas reciprocas um mecanismo de abertura e acesso unilateral, bilateral e multilateral para aumentar o comercio intra indústria entre os EUA e o país ( ou países) que entrar ( ou entrarem) em negociação com os EUA.
Em outras palavras, serão apresentados dois vetores de tarifas reciprocas aos parceiros comerciais dos Estados Unidos. Provavelmente com base no Harmonized System da TUSA o valor ad valorem da tarifa de importação norte americana será comparado e cotejado com o valor da tarifa de importação do Brasil ( e/ou dos demais países). Essa medida será um tipo de proxy a ser usada pelos EUA para mostrar o grau de trade cost que os produtores norte americanos tem para acessar o mercado brasileiro ( ou em qualquer outro país). E, a partir dessa dispersão ou diferencial, os EUA iram elevar o nível das suas tarifas aduaneiras em relação a sua proposta de tarifa recíproca.
Como o patamar da tarifa norte-americana é muito mais baixo que o observado no resto do mundo – pois ao longo da estória do GATT-OMC a redução de tarifa dos EUA junto com clausula MFN foi usada como um bem público para se avançar nas diversas Rodadas da OMC, hoje, os EUA irão usar o porrete ( stick) das tarifas para viabilizar tanto o acesso e abertura ao seu mercado quanto o acesso e abertura do mercado alvo da tarifa reciproca. Isso é a novidade do dia 02 de abril, pois é diferente do que foi usado nas negociações comerciais do passado. E, a priori , se seguir uma analise de economia positiva com base em dados não se pode afirmar a priori que as medidas são protecionistas ou só semeiam a guerra comercial. De fato, é algo novo em relação à experiência pós a crise de 1929 em que se proliferou as políticas de beggar the country.
De fato, importa perceber que o propósito de “liberation day “ não será a busca de auto suficiência total de todos os setores da economia norte –amerciana, tornando-a uma economia fechada ao comércio internacional. Abertura, acesso ao mercado e possibilidade de lucrar e fazer e negócios continuarão a estar na mesa de negociações entre os operadores dos EUA com cada país. Logo, obter os ganhos de comércio advindos da “dupla abertura” – lá e cá – dependerá fundamentalmente do animal spritis dos empresários exportadores brasileiros. Infelizmente, esses só querem ser comprados, e não querem ir vender até por não terem cultura exportadora. Logo, a atitude tanto dos empresários, de seus representantes e do governo brasileiro será de apatia, desejo de negociação e mera reação. Em outras palavras, ousadia zero face às oportunidades abertas no “liberation day”.
Sem dúvida, para que se possa analisar os efeitos do “liberation day” na estrutura tarifária e de proteção da economia brasileira e na composição das exportações nacionais é preciso que a partir dos dados das tarifas reciprocas a serem divulgados com base no SH do TUSA ( ou do pouco provável SITC) se possa ter acesso aos dados da Secretaria de Receita Federal do Brasil.
Aliás, será preciso tabular e calcular o nível da tarifa média nominal do imposto de importação que consta da Tarifa Aduaneira do Brasil por NCM com os valores importados e os impostos efetivamente arrecadados ( ou isentados) sob cada regime especial aduaneiro. Ao se obter o somatório desses dados se obterá uma proxy da tarifa aduaneira verdadeira cobrada pelo Brasil. Isso poderá ser calculado tanto para os produtos importados e provenientes dos EUA e do Resto do Mundo. Hoje em dia, essa informação não poderá ser disponibilizada por ser sigilo fiscal segundo norma e interpretação da SRF. Sem dados, o que se poderá afirmar é que o Brasil cobra e coíbe e protege à economia brasileira é bem menor que o exposto no diário oficial em que se outorga uma proteção ao produto nacional.
Obviamente, entre o diferencial da tarifa legal e a verdadeira se deveria tentar obter os diferenciais dos preços internos e externos desses bens para de fato se obter a proteção efetiva dada pelo Governo à Economia Brasileira. Como não se tem esses dados e não se sabe como os bens entram e são nacionalizados no território nacional segundo regimes aduaneiros se tornou comum principalmente entre lideres empresariais do setor químico e siderúrgico do Brasil que estes venham à público com um mantra mostrando que estão corretamente sofrendo com a competição de produtos chineses. Sem dúvida, por exemplo, esses produtos entram pelo Amapá sem incidência de imposto de importação, de ipi , e com redução de icms para cerca de três por cento e são transportados e consumidos na região sudeste. Mesmo com a reforma tributária isso irá perdurar até 2032, sendo que só não se sabe se as empresas nacionais haverão de sobreviver até lá.
Apesar disso, nosso problema inicial com as tarifas reciprocas criadas por Trump é temos de identificar as vantagens comparativas reveladas, e ainda existente em bens e serviços aqui produzidos e transacionados para potencializarmos ao máximo a capacidade produtiva do sistema da economia nacional face à um necessário processo de mudança de regime de comércio com abertura comercial.
Temos de ousar e ter claro que é decisão soberana e de interesse nosso – do Brasil – mudar agora o regime de comércio brasileiro, com ou sem ameaça das tarifas reciprocas de Trump. Isso porque para que uma abertura comercial unilateral como está sendo proposta por Trump se produza reduzido número de perdedores, é preciso ter e adotar como princípio uma estratégia de resposta por parte do Brasil uma ação unilateral de mudança dos preços relativos externos e internos, aonde se altere simultaneamente a estrutura de incentivos às exportações, de um lado, e as medidas tarifárias e não tarifárias, de outro lado, de modo que haja um viés pró-exportador para que se produzam vencedores.
Aliás, vale lembrar que no Governo Collor, reduzimos as tarifas sobre insumos do agronegócio e se implementou uma lei agrícola capaz de direcionar crédito a esta atividade cujo resultado – dada a demanda internacional – é que não somos um país com uma parcela pequena no comércio mundial dos produtos do agronegócio. Resultado, o regime de comércio do Agro não é nem pop, nem tóxico, e sim pró-exportador. Não se recolhe impostos indiretos – icms – aos cofres públicos porque se compete com fornecedores de todo o mundo, mas se taxa a renda direta mediante o imposto de renda sobre o produtor rural. Caso haja sanha por uma derrama para atender aos cofres dos fiscos estaduais por causa do volume de créditos acumulados com exportações de ICMS, e se se quiser taxar as exportações estaremos voltando para a época do ciclo do café. Isso seria uma solução, pois se obteria renda dos consumidores internacionais até eles terem outra fonte de suprimento e de preferência, como hoje o café colombiano! Aliás, o correto seria eliminar a figura do acúmulo do ICMS nas exportações para evitar que os nossos concorrentes digam que estamos a subsidiar os produtores e exportadores domésticos.
Isso não ocorre com tanta facilidade nos produtos da indústria em que a estrutura de produção e taxação é mais longa. De fato, há mais etapas para se processar um bem, e a cada momento histórico se há necessidade de proteger temporariamente certas atividades para gerar aprendizagem, escala e escopo na produção doméstica. Este bem se for produzido no Brasil têm de ter condições de ser ofertado de forma competitiva com taxação indireta ou contribuições de PIS e COFINS para o mercado doméstico, e como isenção dessa taxação quando o produto for direcionado para o mercado internacional. Como isso não foi assegurado à indústria ao longo das últimas décadas se assiste a uma grande desindustrialização, cuja necessidade de reindustrialização e mudança no chão de fábrica hoje se faz mais necessária devido à difusão da internet das coisas e a transição energética. Apesar da não outorga de incentivos corretos ao setor industrial, este conseguiu nos últimos anos resistir e apresentar perdas nas exportações por operarem num regime de comércio com viés contra a industrialização de bens e serviços.
Face ao exposto acima, e apesar das ameaças bilaterais de pressão do Governo Trump 2.0, esse deveria ser um bom momento para iniciarmos a revisão do regime de comércio brasileiro. Nesse sentido, um primeiro diagnostico a ser feito seria estabelecer uma taxionomia do contencioso bilateral com os EUA, dos níveis de proteção nominal e efetiva, e dos regimes aduaneiros e acordos de complementação econômica com os nossos parceiros comerciais, inclusive Mercosul.
Sem dúvida, uma equipe pequena deveria ler os documentos disponíveis na internet e os documentos entregues ao Governo Brasileiro pelos representantes dos nossos parceiros comerciais. Esta equipe não deveria conter, nem analistas de comércio exterior, nem diplomatas de carreira porque o norte da leitura é identificar as “queixas’ e “alegações” bilaterais e multilaterais de barreiras ao comércio sem posições pré concebidas visto que há necessidade de identificar cada item desse contencioso em relação ao que incide na fronteira do país e ao que incide e distorce as condições de venda do produto importado após a entrada no território nacional.
Ao proceder dessa forma poderemos listar as medidas não tarifárias, fitossanitárias e outras que nossos parceiros alegam que restringem o comércio. Verificaremos que boa parte da queixa é decorrência do jeitinho brasileiro de administrar típico de instituições como IMMETRO, INPI, MAPA, ANVISA, etc. Com uma diretriz política da CAMEX se poderá modernizar as normas infraconstitucionais e limpar o contencioso sem ferir a soberania nacional.
Com relação às tarifas, o Governo brasileiro poderia anunciar um processo de convergência da atual estrutura da tarifa nominal para um nível uniforme próximo e em torno de 15% ou 20% de proteção tarifária. Também se buscaria eliminar os regimes aduaneiros especiais e ex-tarifários não ligados à atividade de exportação. Vale destacar que nesse processo de convergência se negociaria com os parceiros do Mercosul a transformação do bloco numa área de livre comércio visto que essa já de fato isso, e cada membro poderia estabelecer sua própria tarifa aduaneira, e se manteria os princípios fundadores o Mercosul, desde que houvesse um maior controle das regras de origem intra bloco.
Cabe destacar que o Brasil adotou uma inteligente política comercial estratégica no início do século XXI para atrair novas montadoras a se instalarem no solo brasileiro, em função da inovação de um produto nosso – o motor flex – , e seus bons efeitos sobre o meio ambiente. A jabuticaba brasileira foi reduzir significativamente a estrutura dos tributos indiretos – tipo IPI, ICMS, PIS e Cofins – dos carros montados no Brasil e que eram vendidos aos consumidores nacionais, sem que esse “incentivo” fosse dado ao produto importado. Vale lembrar que o produto nacional inovador era o motor flex, e no carro importado à época não havia esse motor. Reduzir a tributação interna funcionou e novas montadoras vieram para o Brasil, mas violamos o princípio de não discriminação a produto importado após a entrada no território nacional conforme reza o acordo do GATT/OMC.
Hoje, em época de transição energética, podemos lançar títulos verdes do governo brasileiro nos Estados Unidos e usarmos esses recursos para fazer inovações na indústria de transformação de setores hard to abate – como siderúrgicos, e químicos – no Brasil, e, podemos de quebra incentivar a complementação produtiva nessa área entre o Brasil e os EUA fazendo com empresas exportadoras nacionais se internacionalizem e comprem unidades nos EUA. Inclusive, podemos fazer isso sem ferir a legislação internacional mostrando proposito de fazer transição energética associada ás exportações.
Além disso, para melhorar o relacionamento Brasil e EUA, devemos combater o contrabando, e a contrafação de bens que tanto violam os direitos de propriedade intelectual com entram no Brasil por situações de descaminhos. Isso é preciso que se torne uma ação perene e constante do Governo. É obvio que esse problema não se restringe à uma unidade da Federação, pois ocorre em todos os estados da federação, e inclui também armas e drogas. Aliás, ter uma presença e controle mais efetivo nas fronteiras é um desejo de toda a autoridade constituída no país. Dada a extensão geográfica das fronteiras terrestres e marítimas do Brasil impor controle e inspeção sobre a movimentação de bens e serviços que passam pela fronteira – sem ferir as normas e leis internacionais – depende de reconhecer a priori a partir da nossa história de que todos aqueles bens que entram ( ou saem) devem ser inspecionados no território quando este ocorrer por meio de um meio de transporte, de uma forma de acondicionamento da carga (tipo container ou pallet), e numa entrada legal ( tipo porto ou aeroporto). Dado que se tem de elaborar documentos que comprovem a transferência de propriedade do bem de um comprador para um vendedor se pode montar “jogos de inspeção” para estabelecer controles, desde que haja instituição capacitada para essa atividade.
No Brasil, hoje, existem sistemas informatizados em que se pode obter tanto o fluxo físico, fiscal, monetário e cambial da exportação quanto da importação em termos de origem e destino, bem como o fluxo de carga podem ser verificados e checados para efeitos de controle comercial, aduaneiro e cambial. Pode-se inspecionar ou pré-inspecionar preço, volume, valor, tipo, etc na entrada e na saída. Só precisa saber analisar esse Big Data e fazer uma mineração de dados perene. Isso pode ser feito se juntar uma força tarefa da Coana/MF com o Decex/Mdic e COAF-MJ sob um mesmo órgão de Governo, se requerendo apenas mudança legal das funções e atribuições dos respectivos Ministérios.
Do exposto, o anúncio do “liberation day” pelo Presidente Trump é um bom momento para se ousar na condução das negociações com os Estados Unidos. A partir do mapa de sugestões aqui proposto, caso estas viessem a ser adotadas de forma imediata permitirá que o Governo resista às pressões a serem feitas pelo o atual Presidente dos EUA na medida que se terá “novas” propostas nas mãos para se negociar com a equipe de Governo dos EUA. Surpreender e alterar o conteúdo da agenda de negociação de forma não linear tira Trump e sua equipe da sua zona de conforto, e da sua obsessão momentânea. Kim Jong-un fez isso, e o problema Estados Unidos- Coréia do Norte saiu do noticiário internacional. Por sua vez, Xi Jinping trata e negocia com Trump de forma linear e tradicional, e não há grandes avanços nas negociações China – EUA, e, a guerra comercial se aprofunda cada vez mais. Assim, ser não linear e ser inesperado – usando o método ODDA loop conforme demostrado por Tom Cruise nos filmes TOP GUN 1 e 2 sem ser uma missão impossível – é a essência da arte de se negociar com Trump!
Mario Cordeiro de Carvalho Junior – Professor da Faf-UERJ
FONTE: Jornal GGN
Sobre a arte de negociar com Trump 2.0, por Mario de Carvalho Jr