Uma coalizão que inclui figuras de destaque da direita afirmou que o programa do presidente violava a Constituição. Um dos juízes o citou oito vezes.
Um forte sinal de que a guerra comercial impulsionada por tarifas do presidente Trump está em risco surgiu em um amicus curiae (resumo de argumentos enviado ao tribunal por terceiros) apresentado em abril por uma coalizão que incluía muitos advogados, acadêmicos e ex-funcionários conservadores e libertários de destaque.
O documento também sinalizou uma crescente ruptura entre Trump e o movimento jurídico conservador — uma cisão que veio à tona na semana anterior com os ataques do presidente à Federalist Society, cujos líderes ajudaram a escolher os juízes e ministros que ele nomeou em seu primeiro mandato.
Entre os que assinaram o documento no caso das tarifas estava Richard Epstein, professor da Universidade de Nova York e um influente estudioso libertário do direito.
“É preciso entender que o movimento conservador, enquanto movimento intelectual, é hoje consistentemente anti-Trump na maioria das questões”, disse ele.
Outros signatários incluíam Steven G. Calabresi, um dos fundadores da Federalist Society; Michael B. Mukasey, ex-juiz federal e procurador-geral no governo George W. Bush; e três ex-senadores republicanos — George F. Allen, John C. Danforth e Chuck Hagel. Liberais também assinaram o documento, como Harold Koh, ex-reitor da Faculdade de Direito de Yale.
“O documento reúne estudiosos de direito constitucional de grande nome em todo o espectro político de uma forma que raramente vi”, disse Ilya Somin, professor de direito na Universidade George Mason e advogado de um importador de vinhos e de outras empresas que processaram o governo por causa das tarifas.
“Jamais esperaria ver Richard Epstein, Steve Calabresi e Harold Koh assinando o mesmo documento sobre uma grande questão”, acrescentou. “Mas aqui estão eles, juntos, se opondo à ‘tributação por proclamação’. Donald Trump os uniu.”
O documento foi preparado por Michael W. McConnell, ex-juiz federal de apelação nomeado por Bush e atualmente professor em Stanford, e Joshua A. Claybourn, advogado e historiador. Ele dizia que o programa de Trump feria a estrutura constitucional:
“Os poderes de tributar, regular o comércio e definir o rumo econômico da nação devem permanecer com o Congresso”, dizia o documento. “Eles não podem escorregar silenciosamente para as mãos do presidente por inércia, desatenção ou interpretações criativas de estatutos que nunca tiveram a intenção de conceder tal autoridade. Essa convicção não é partidária. É constitucional. E está no cerne deste caso.”
A coalizão apresentou um documento muito semelhante em um segundo caso, no Tribunal Distrital Federal em Washington. Na quarta-feira, o tribunal de comércio decidiu a favor dos contestadores. Na quinta, o juiz do tribunal distrital seguiu o mesmo caminho, citando o documento de apoio oito vezes.
O professor McConnell disse que a notoriedade dos amici curiae — os “amigos da corte” — que assinaram o documento enviava uma mensagem clara.
“Nossa esperança é que a identidade das partes que assinam o amicus curiae sinalize a gravidade da situação”, disse McConnell. “Todos estão preocupados com a usurpação, por parte do Executivo, do controle sobre a tributação do comércio — algo que a Constituição atribui explicitamente ao Congresso.”
O professor Harold Koh, que atuou no Departamento de Estado durante o governo Obama, afirmou que algumas questões vão além da política partidária:
“Apesar das nossas diferenças políticas, os amici concordaram facilmente, como juristas, que o presidente excedeu os poderes estatutários que lhe foram delegados”, disse ele. “Ao impor unilateralmente tarifas ilimitadas sobre produtos de todo o mundo, ele usurpou de forma ilegal os poderes exclusivos do Congresso de impor tributos e tarifas e de regular o comércio exterior.”
O documento deixou claro que não se posicionava sobre o mérito econômico das tarifas:
“Os amici não aparecem para defender ou se opor a nenhuma política comercial específica”, dizia. “Eles apresentam este documento porque acreditam que a Constituição traça limites claros entre o poder legislativo e o executivo — e que esses limites estão sendo distorcidos de forma a ameaçar a própria responsabilidade democrática.”
O professor Epstein disse ter se sentido honrado em assinar o que chamou de “um documento magnífico”, que resume o caso em sua essência.
“Este caso não é difícil”, disse. “Existem casos que são imensamente importantes e, ao mesmo tempo, fáceis.”
Outros acadêmicos, porém, foram mais cautelosos. Jack Goldsmith, professor de direito em Harvard e ex-integrante do Departamento de Justiça no governo Bush, escreveu recentemente que as questões legais no caso são “difíceis e delicadas”.
A secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, foi além. “A justificativa do presidente para impor essas tarifas poderosas era legalmente sólida e fundamentada no bom senso”, disse em uma coletiva na semana passada.
Um tribunal de apelações suspendeu temporariamente a decisão do tribunal de comércio e decidirá nos próximos dias se manterá essa suspensão. Há poucas dúvidas de que o caso chegará à Suprema Corte — e em breve.
Quando isso acontecer, os juízes terão de lidar com duas doutrinas caras ao movimento jurídico conservador, ambas contrárias à visão de Trump sobre seus próprios poderes:
- A doutrina da não delegação, que afirma que o Congresso não pode transferir poderes legislativos ilimitados ao Executivo.
- A doutrina das grandes questões, que exige que o Congresso autorize de forma clara e explícita qualquer ação do Executivo que possa transformar significativamente a economia.
O amicus curiae defende que, com base na separação dos poderes, essas doutrinas exigem que os tribunais rejeitem o programa de Trump:
“Este caso apresenta ao tribunal uma escolha — não entre políticas comerciais concorrentes, mas entre visões opostas de governança constitucional”, dizia o texto.
“Uma delas preserva o equilíbrio definido pelos fundadores, exigindo que decisões econômicas de grande porte tenham autorização legislativa explícita. A outra permitiria que o Executivo reconfigurasse unilateralmente a estrutura comercial do país com base em uma linguagem estatutária vaga e genérica, jamais destinada a respaldar tal ação.”
“O tribunal”, concluiu o documento, “deve escolher a primeira opção.”
Fonte: The New York Times