Frutas frescas, gergelim e pescado ganham acesso, mas entraves freiam crescimento
Em meio à crise aberta pelas sobretaxas comerciais impostas ao mundo inteiro pelos Estados Unidos, um acordo firmado entre Brasil e China em novembro de 2024 ganha nova relevância. Durante a visita do presidente chinês, Xi Jinping, a Brasília, os dois países assinaram protocolos que abriram o mercado do país asiático para produtos brasileiros como frutas frescas, gergelim, sorgo, farinha e óleo de peixe, além de outras proteínas derivadas de pescado para ração animal. A expectativa é que esses setores – até então com participação limitada na pauta exportadora – ganhem espaço no comércio bilateral.
Entre os segmentos diretamente beneficiados está o de frutas frescas, mais precisamente a uva e o melão. Somente a uva tem um mercado potencial de US$ 450 milhões, segundo estimativa divulgada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária. A perspectiva leva em conta o consumo crescente de frutas frescas na Ásia e o interesse da China em diversificar seus fornecedores.
Um potencial de crescimento que é reconhecido pelos produtores, mas os desafios logísticos continuam sendo um entrave significativo para dar início às exportações. “Hoje, um navio com frutas, para viajar aqui do Nordeste até a China, tem um trânsito muito longo. Antes ela [a produção] precisa ir para Santos (SP) e de lá pegar um navio. Todo esse frete, além de ser muito caro, demora demais e ultrapassa o limite de shelf-life da fruta, de vida pós-coleta”, diz Luiz Roberto Barcelos, diretor institucional da Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas).
Barcelos tem esperança de que a nova rota marítima que deve ser inaugurada ainda este ano ligando Salvador à China em apenas 30 dias possa ser a solução para as exportações do setor. “Com esse serviço de transporte, a gente efetivamente começa a fazer alguma coisa esse ano, algo muito experimental ainda”, diz.
Além das dificuldades logísticas, o setor também enfrenta custos de certificação fitossanitária e adaptação a protocolos exigidos pela autoridade chinesa. A dimensão do mercado, no entanto, é atrativa. “A China produz 440 mil hectares de melão no verão. Se você comparar com o que a gente produz no mercado interno, é 80 vezes mais”, destaca Barcelos. “É um consumo muito grande”.
No último ano, o Brasil se tornou um dos maiores produtores mundiais de gergelim, ao ponto de Canarana (MT) ser considerada a capital mundial do grão. E a tendência é de crescimento. Com a produção nacional concentrada no Mato Grosso, especialmente no vale do Araguaia, a estimativa é de 659 mil hectares plantados em 2025, com produção total de 332 mil toneladas, de acordo com o Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe).
A importância do gergelim para a China é tanta que foram os próprios chineses que pediram a abertura de negociações para a compra do grão. “O gergelim é um dos casos em que a China bateu na porta do Brasil e pediu para mandarmos a documentação necessária para iniciar a exportação para eles”, conta Marcelo Eduardo Lüders, presidente do Ibrafe.
A China consome cerca de 2 milhões de toneladas de gergelim por ano, importando metade desse volume. Segundo Lüders, o Brasil pode chegar a fornecer, “com relativa facilidade”, até 30% desse volume. O cultivo, totalmente mecanizado – ao contrário de outros países competidores – e pouco exigente de irrigação ou investimentos pesados, é uma alternativa para os produtores de soja, que no Mato Grosso estão substituindo o plantio de milho entre as duas safras pelo de gergelim.
Demanda chinesa por tilápia do Brasil aumentou imediatamente após tarifaço dos EUA, afirma Eduardo Lobo
A entrada do pescado brasileiro na China também é um dos desdobramentos mais imediatos da nova ordem comercial do mundo imposta pelos Estados Unidos. O impacto das tarifas anunciadas pelo presidente americano, Donald Trump, sobre os produtos chineses criou um vazio no fornecimento de tilápia, tradicionalmente abastecido por produtores asiáticos.
“A medida que os Estados Unidos taxa a China violentamente, a tilápia chinesa ficou inviável. A demanda já começou imediatamente”, conta Eduardo Lobo, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca). Segundo ele, a substituição tem sido rápida, com novos contratos e embarques para o mercado chinês. “A gente tem uma situação em que o Brasil virou uma boa alternativa. E o que começou com a tilápia agora já está se refletindo em outros produtos”, afirma o executivo.
Lobo projeta que as exportações da tilápia possam até triplicar em relação ao ano passado, caso as condições comerciais se mantenham. Além disso, ele avalia que a venda de atum e lagosta para a China passou a ter um grande potencial.
Apesar do otimismo, Lobo diz que será preciso mais do que uma janela comercial para alavancar as exportações para a China. “O setor precisa estar preparado para responder com volume e regularidade”, afirma.
As associações do setor reconhecem que a nova configuração comercial impulsionada pelo acordo bilateral não elimina os obstáculos internos. Para Barcelos, além da distância, ainda há a demora da burocracia típica do comércio exterior. “A gente vai ter que construir agora esse caminho, ele é possível. Mas não é da noite para o dia que isso vai ocorrer”.
No setor de sementes e grãos, Lüders garante que o Brasil está melhor posicionado, mas que também será preciso garantir regularidade de fornecimento e logística interna adequada. “A gente tem um produto que já está adaptado, com plantio mecanizado e volume crescente. Mas para crescer com consistência, precisa de política comercial, apoio de infraestrutura e negociação técnica constante com os chineses.”
O agronegócio brasileiro fechou 2024 em alta, com crescimento de 1,81% no Produto Interno Bruto (PIB) do setor, de acordo com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Com participação de 23,2% no PIB nacional, o agro manteve seu protagonismo na economia. A China respondeu por 37% do total das vendas brasileiras.
Fonte: Valor Econômico